Versículo do Wudu
Este artigo se dedica à análise do Versículo da Ablução. Para um aprofundamento nas prescrições jurisprudenciais da ablução, por favor, consulte a entrada "Ablução".
O Versículo da Ablução é o sexto versículo da Sura al-Ma'ida e figura entre os Versículos das Leis (Ayat al-Ahkam) do Sagrado Alcorão. Com base nele, os juristas muçulmanos detalham a forma correta da ablução e estabelecem a obrigatoriedade dessa ablução para a realização da oração (salat). Neste versículo, os muçulmanos são instruídos a lavar seus rostos e as mãos até os cotovelos, e a passar a mão sobre a cabeça e os pés, sempre que se prepararem para a oração. Considerando que a lavagem e o passar da mão sobre os membros são unidos pela conjunção aditiva "wa" (e), e não pelas conjunções "fa" (então) ou "summa" (depois), o versículo em si não estabelece uma ordem estrita para esses atos. Além disso, o versículo não especifica o sentido (de cima para baixo ou de baixo para cima) em que a lavagem deve ser realizada. Outras prescrições sobre a ablução foram inferidas a partir das tradições proféticas e de outras fontes de prova.
Existe uma divergência de opiniões entre os juristas xiitas e sunitas quanto à maneira de realizar a ablução. Parte dessa divergência decorre de suas distintas interpretações do Versículo da ablução, e outra parte é resultado das narrativas às quais cada grupo se apega.
Por exemplo, os juristas xiitas (Imamiyya), com base no versículo, na Tradição do Profeta Muhammad (s.a.a.s.) e nos Imames Infalíveis (a.s.), defendem que a lavagem das mãos na ablução deve ser realizada dos cotovelos em direção às pontas dos dedos. Em contrapartida, a maioria dos juristas sunitas (Ahl al-Sunna), apoiando-se no versículo, na Tradição do Profeta e nos Companheiros (Sahaba), sustenta que a lavagem das mãos deve ser efetuada das pontas dos dedos em direção aos cotovelos. Da mesma forma, os juristas imamitas afirmam que, de acordo com o versículo, é obrigatório passar a mão sobre os pés (mash), e que a lavagem dos pés em vez do mash invalida a ablução. Em contraste, os sunitas consideram obrigatória a lavagem dos pés.
Texto e tradução do Versículo
يَا أَيُّهَا الَّذِينَ آمَنُوا إِذَا قُمْتُمْ إِلَى الصَّلَاةِ فَاغْسِلُوا وُجُوهَكُمْ وَأَيْدِيَكُمْ إِلَى الْمَرَافِقِ وَامْسَحُوا بِرُءُوسِكُمْ وَأَرْجُلَكُمْ إِلَى الْكَعْبَيْنِ. ﴿٦﴾
"Ó vós que credes! Quando vos dispuserdes à oração, lavai vossos rostos e vossas mãos até os cotovelos; e passai a mão sobre vossas cabeças e sobre vossos pés até os tornozelos (ou protuberâncias dos pés)." (Surata Al-Ma'idah, 5:6)
Relevância e posição do versículo
O Versículo da ablução é o sexto dos versículos da Surata Al-Ma'idah ao qual os juristas muçulmanos recorrem para estabelecer a obrigatoriedade da ablução para a realização da oração[1] e para detalhar a sua forma de execução[2]. Além disso, este versículo serve de prova para a tese de que a água promove a purificação do evento menor (hadas asgar)[3]. Sendo um dos Versículos das Leis, é objeto de discussão não apenas entre os exegetas [4], mas também entre os juristas em suas obras dedicadas às leis divinas[5].
A Indicação do versículo sobre a obrigatoriedade da ablução para a oração
No versículo, a frase "إِذَا قُمْتُمْ إِلَى الصَّلَاةِ، فَاغْسِلُوا ..." ("Quando vos dispuserdes à oração, lavai...") constitui uma ordem para a realização da ablução, o que, na visão dos juristas, demonstra a obrigatoriedade da ablução para a oração[6].
Ademais, sob a perspectiva dos juristas, este versículo indica claramente a condição de pureza (taharah) para a validade da oração[7]. Infere-se também que a obrigatoriedade da pureza, ou da ablução, não é uma obrigação independente, mas sim uma obrigação acessória (wujub taba'i)[8]; ou seja, a ablução não é obrigatório para quem não pretende realizar a oração, e, portanto, sua omissão não acarreta punição[9].
A lavagem do rosto e das mãos
De acordo com as fatwas (pareceres jurídicos) dos juristas xiitas e sunitas, conforme o versículo, o rosto é o primeiro membro a ser obrigatoriamente lavado na ablução, pois é mencionado inicialmente: "فَاغْسِلُوا وُجوهَکُم."[10]. A palavra "وُجُوه" é o plural de "وَجه" e significa "face" ou "rosto"[11]. Da mesma forma, por consenso (ijma') dos juristas muçulmanos, e em conformidade com o que está disposto no versículo "فَاغْسِلُوا وُجُوهَكُمْ وَأَيْدِيَكُمْ إِلَى الْمَرَافِقِ; lavai vossos rostos e vossas mãos até os cotovelos", a lavagem das mãos na ablução é obrigatória[12]. No entanto, existe uma divergência de opiniões entre os juristas imamitas e sunitas quanto à extensão da parte da mão a ser lavada e ao sentido da lavagem das mãos[13]:
- Os juristas imamitas possuem consenso de que é obrigatório lavar também o cotovelo na ablução, e que o sentido da lavagem das mãos deve ser do cotovelo em direção às pontas dos dedos[14]. Primeiro, porque, segundo alguns, a palavra "إلی" ("ila") em "إلی المرافق" (até os cotovelos) tem o sentido de "مع" (ma' - com), significando que a lavagem do cotovelo também é necessária na ablução 15]. Segundo, porque tanto na ablução quanto fora dele, a lavagem natural da mão ocorre de cima para baixo[16]. Terceiro, porque a obrigatoriedade da lavagem das mãos do cotovelo em direção às pontas dos dedos, e a lavagem do próprio cotovelo, é compreendida a partir da Tradição do Profeta Muhammad (s.a.a.s.) e dos Imames Infalíveis (a.s.)[17].
- A maioria dos juristas sunitas considera que a lavagem do cotovelo na ablução é obrigatória[18]. Alguns juristas sunitas afirmam que o versículo sugere que o sentido da lavagem das mãos deve ser das pontas dos dedos em direção ao cotovelo[19]. De acordo com Fakhr al-Razi, a maioria dos juristas sunitas entende que lavar as mãos do cotovelo em direção às pontas dos dedos não invalida a ablução; contudo, consideram melhor que seja feito das pontas dos dedos em direção ao cotovelo[20].
O Mash (passar a mão)
Para todos os juristas muçulmanos, com base nesta parte do versículo: "وَامْسَحُوا بِرُءُوسِكُمْ وَأَرْجُلَكُمْ إِلَى الْكَعْبَيْنِ; e passai a mão sobre vossas cabeças e sobre vossos pés até os tornozelos (ou protuberâncias dos pés)", o ato de passar a mão sobre a cabeça e os pés (mash) na ablução é obrigatório[21]. No entanto, existe uma divergência de opiniões entre os juristas imamitas e sunitas quanto à maneira de realizar o mash e sua extensão[22].
Mash na cabeça
Os imamitas e os xafiitas acreditam que é suficiente passar a mão sobre uma parte da cabeça, o suficiente para que o ato seja considerado mash[23]. Para eles, a preposição "باء" (ba') em "بِرُءُوسِكُمْ" tem o sentido de "alguns" ou "parte de", indicando que o mash deve ser feito sobre uma porção da cabeça, e não sobre toda ela[24]. Os imamitas, apoiando-se em algumas narrativas[25] e no consenso[26], creem que essa parte da cabeça deve ser a frente da cabeça[27]. Já os xafiitas entendem que o versículo não especifica qual parte da cabeça deve ser massageada, sendo permitido realizar o mash em qualquer parte dela[28]. Além disso, para os xafiitas, lavar ou aspergir água sobre a cabeça em vez de realizar o mash também é permitido; contudo, os imamitas não consideram isso válido[29]. Para os hanbalitas, o mash de toda a cabeça e até mesmo das orelhas é obrigatório[30]. Os malikitas consideram obrigatório o mash de toda a cabeça, exceto as orelhas. Os hanafitas consideram obrigatório o mash de um quarto da cabeça, e afirmam que submergir a cabeça na água ou derramar água sobre ela é suficiente em vez do mash[31].
Mash nos pés
Há uma divergência de opiniões entre os juristas imamitas e sunitas quanto à necessidade de realizar o mash sobre os pés ou lavá-los[32]. Os imamitas, fundamentando-se na Tradição do Profeta Muhammad (s.a.a.s.) e dos Imames Infalíveis[33] e no consenso (ijma')[34], defendem que o mash dos pés, da ponta dos dedos até as protuberâncias dos pés (ka'bayn), é obrigatório, e que a lavagem dos pés em vez do mash invalida a ablução. Em contrapartida, a maioria dos juristas sunitas, com base na Tradição do Profeta (s.a.a.s.)[35] e no consenso dos Companheiros (Sahaba)[36], sustenta que, em vez do mash, a lavagem dos pés até as protuberâncias é obrigatória[37].
Diferentes recitações (Qira'at) do Versículo
Existem duas recitações distintas do Versículo da ablução: 1. Nas recitações de Ibn Kassir, Hamza ibn Habib, Abu Amr, e também na recitação de Abu Bakr ibn Aiyash de Assim, a palavra "أَرْجُلِكُمْ" (arjulikum) é conjugada ao "بِرُءُوسِكُمْ" (bi-ru'ussikum) e vem na forma "majrur" (com kasra)[38].
2. Nas recitações de Nafi', Ibn Amir e na recitação de Hafs de Assim, a palavra "أَرْجُلَكُمْ" (arjulakum) vem na forma "mansub" (com fatha)[39]. Por essa razão, alguns juristas sunitas argumentam que "أَرْجُلَكُمْ" está conjugado à palavra "وُجُوهَكُمْ" (wujuhakum), que está na forma mansub. Disso, eles concluem que, assim como a lavagem do rosto é obrigatória na ablução, a lavagem dos pés também é obrigatória, e o mash por si só não é suficiente[40]. Contudo, os clérigos xiitas afirmam que "أَرْجُلَكُمْ" também está conjugado à palavra "بِرُءُوسِكُمْ" neste contexto. Embora o i'rab (sintaxe) aparente de "بِرُءُوسِكُمْ" seja majrur, por ser um objeto direto (maf'ul), ele está em posição de nasb (acusativo) e é considerado mansub de acordo com as regras da língua árabe[41].
Referências
Bibliografia
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